A relevante decisão da 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reacendeu o debate sobre os limites da atuação profissional dos leiloeiros oficiais no Brasil. A premissa central, e que serve como pilar para a confiança e integridade do mercado de leilões, é inequívoca: Leiloeiros não podem exercer atividade empresarial fora da profissão.
A restrição imposta à categoria profissional não é uma novidade jurídica, mas uma determinação que remonta ao Decreto nº 21.981/1932. Este regulamento, que governa a profissão de leiloeiro oficial, estabelece de forma categórica as obrigações e proibições sob as quais estes profissionais devem operar. De acordo com o Decreto, é vedado aos Leiloeiros exercer qualquer atividade empresarial que não seja a de leiloeiro, sob pena de destituição de suas funções.
A finalidade desta regulamentação centenária é extremamente clara: evitar qualquer possibilidade de conflito de interesse e assegurar a máxima transparência e imparcialidade nas atividades leiloeiras. A função do leiloeiro é atuar como um agente público da fé, um intermediário de confiança na venda de bens, seja para o público em geral ou em processos judiciais (hastas públicas), e esta posição exige uma dedicação e neutralidade inabaláveis.
O caso que motivou a decisão do TRF-1 é um exemplo prático da rigidez da norma. O profissional destituído de suas funções havia se envolvido em outras atividades comerciais, atuando, especificamente, como representante legal de seu filho em empresas e como procurador de sociedades estrangeiras. Essas participações foram consideradas incompatíveis com o exercício do ofício de leiloeiro, o que motivou a destituição do leiloeiro de suas funções.
A decisão do TRF-1, ao manter a penalidade de destituição, reforça o entendimento de que a simples participação em outras atividades comerciais, mesmo que de forma indireta ou por representação, já é suficiente para comprometer a imparcialidade e a integridade do trabalho do leiloeiro. O Tribunal compreendeu que a atuação empresarial paralela pode criar laços, interesses e obrigações que inevitavelmente colidirão com a neutralidade exigida pela profissão.
O relator do caso na 9ª Turma, o desembargador federal Antônio Scarpa, foi incisivo em seus argumentos, destacando que a legislação em vigor é taxativa ao proibir leiloeiros de “exercerem comércio” ou “constituir sociedades de qualquer espécie”. Essa proibição não é meramente formal, mas substancial.
Segundo o desembargador, a participação em atividades empresariais possui o potencial de gerar conflitos de interesse, que podem ir desde a priorização de negócios próprios ou de terceiros em detrimento dos comitentes, até o uso de informações privilegiadas obtidas no exercício da função. O risco inerente a tal envolvimento é a perda da confiança do público e a maculação da lisura das atividades leiloeiras, o que justifica a sanção extrema de destituição.
A profissão de leiloeiro oficial é caracterizada por sua natureza personalíssima, o que significa que o exercício da função é individual, intransferível e não pode ser delegado a uma pessoa jurídica ou sociedade empresarial. Essa característica é fundamental para garantir a responsabilidade direta e a lisura de cada ato praticado, reforçando a fiscalização exercida pelas Juntas Comerciais.
A decisão do TRF-1 sublinha a importância da regulamentação da profissão de leiloeiro como um mecanismo essencial para garantir a lisura e a transparência em todas as transações de leilão, sejam elas judiciais ou extrajudiciais. A atuação do leiloeiro, por estar intrinsecamente ligada ao interesse público e à justiça das operações, deve ser regida por rigorosos princípios éticos e legais. A proibição de atividade empresarial é, portanto, um reflexo da responsabilidade pública que o profissional assume ao ser matriculado e habilitado para o ofício.
Essa decisão do TRF-1 serve como um poderoso lembrete e um alerta a todos os profissionais da área sobre a seriedade e as implicações de não respeitar as normas estabelecidas. O mercado de leilões, por movimentar grandes volumes de bens e capital, e por muitas vezes estar no cerne de processos de recuperação e execução, exige um grau máximo de credibilidade.
O cumprimento rigoroso das regras estipuladas pelo Decreto nº 21.981/1932 e pelas instruções normativas do DREI (Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração) é o pilar para preservar a integridade e a confiança no mercado. A destituição, conforme aplicado no caso em tela, demonstra que a Justiça e os órgãos fiscalizadores não hesitarão em aplicar a penalidade máxima quando a conduta do leiloeiro ferir a imparcialidade e a transparência exigidas pelo cargo.
Em suma, a máxima de que Leiloeiros não podem exercer atividade empresarial é mais do que uma regra; é um princípio fundamental que protege a fé pública, garante a idoneidade dos leilões e assegura que o profissional atue exclusivamente em seu ofício, servindo como um mediador neutro e confiável para todas as partes envolvidas na arrematação de bens. A jurisprudência, ao reafirmar essa proibição, fortalece o arcabouço legal que estrutura o mercado de leilões no Brasil.
Fonte TRF1 | Processo 1009315-30.2015.4.01.3400

Advogado especializado no Direito Patrimonial, com ênfase no Direito Imobiliário, Direito das Famílias, Direito das Sucessões, Leilões e Precatórios Judiciais.


